Jean Marques Regina
“Se você crê somente naquilo que gosta no evangelho e rejeita o
que não gosta, não é no evangelho que você crê, mas, sim, em si
mesmo.” (Agostinho de Hipona)
Conquistando a cidade de dentro
Seguindo a Nova Esquerda e suas políticas identitárias, os assim
chamados “cristãos progressistas” se notabilizam, na atualidade,
por entenderem que a classe que salvará o mundo será a dos
“excluídos” e das minorias. E dão status de dogma a temas como
o estabelecimento de novos conceitos de família a partir da união
homoafetiva, aborto, maioridade penal além de todo tipo de
estatismo.
Mas a defesa veemente desses temas são sinais de um mal
maior. Parece que esses “cristãos progressistas” têm
reinterpretado profundamente a fé cristã, tornando-a em algo
amorfo, totalmente distinto daquilo que se pode receber como
revelação de Deus nas Escrituras Sagradas.
Crença e descrença
Em linhas gerais, os “cristãos progressistas”:
• Repudiam a Bíblia como Palavra de Deus inspirada e infalível;
• Falam da irrelevância da Trindade ou defendem o teísmo aberto;
• São indiferentes aos ensinos sobre o pecado original e pessoal, e
a salvação pela graça;
• Repudiam o nascimento virginal de Cristo Jesus,
• seu sacrifício expiatório e substitutivo na cruz
• e sua ressurreição corporal;
• Rejeitam todo e qualquer milagre ou sinal divino;
• São críticos das igrejas ou estão desigrejados;
• São indiferentes ou abandonaram qualquer crença na segunda
vinda de Cristo.
Assim, há, da parte desses “cristãos progressistas”, uma ruptura
com “aquilo que foi crido em todo lugar, em todo tempo e por
todos [os fiéis]” (Vicente de Lérins, Commonitorium II,3); isto é,
esses “cristãos progressistas” se caracterizam não só por um
afastamento, mas por uma rejeição de todo o ensino consensual
entre os cristãos legítimos.
Se há tal ruptura com a tradição cristã mais ampla, como
reconhecer esses ditos “progressistas” como cristãos?
Ao mesmo tempo, estes “cristãos progressistas” tornam absoluta
toda a agenda atrelada aos anseios hegemônicos da esquerda e
extrema-esquerda, defendendo ferrenhamente:
• a redefinição do conceito de família, estendendo-a para qualquer
relação de duas ou mais pessoas;
• a defesa do aborto;
• a liberalização das drogas;
• o antissemitismo e antissionismo, e Israel como um “estado
terrorista”;
• a evolução, percebida como um processo espiritual religioso
(Michael Dowd);
• a divisão marxista da sociedade em categorias de opressor e
oprimido/vítima;
• uma política identitária que divide a sociedade, sem nenhum
interesse em reconciliação;
• a crença de que o homem branco cristão é o opressor, “o diabo”
(James Cone), e “a igreja ‘branca’ é o Anticristo” (Jeremiah
Wright);
• a satanização dos opressores e imposição aos indivíduos de
pagar por opressões históricas das categorias a que pertencem;
• que aqueles que não concordem com eles são fascistas,
homofóbicos, racistas, misóginos etc.
• e a fé de que o Estado controlador, sob o domínio do Partido,
pode moldar e controlar a sociedade civil, levando-a a um milênio
secularizado.
E alguns dos autores referenciais para os “cristãos progressistas”
são Jürgen Moltmann, Hans Küng, Paul Tillich, Rob Bell, Brian
McLaren, John Howard Yoder, Rosemary Radford Ruether,
Leonardo Boff, Frei Betto, Gustavo Gutiérrez, Severino Croatto,
entre outros.
Este é todo o “evangelho” que os “cristãos progressistas” têm para
oferecer. Por isso, os “cristãos progressistas” não podem ser
considerados evangélicos.
Na verdade, são adeptos devotos da igreja vermelha do
politicamente correto. Se veem como parte de um tipo de nova
ordem religiosa, totalmente leais ao Partido e ao santo graal da
Ideia. E todos aqueles que não concordam com eles são tratados,
simplesmente, como “não-pessoas”.
Assim, estes têm por alvo subverter os alicerces mais básicos da
fé e da ética cristã para que a Igreja seja controlada
(Gleichschaltung), subordinada à agenda do Partido/Estado
esquerdista, com sua agenda inflexível e colossal.
De acordo com Peter Leithart: “A religião da justiça social se
apropria dos elementos chaves da ortodoxia cristã – uma análise
do pecado e do mal, um modo de salvação, disciplinas espirituais,
uma comunidade com uma missão, uma esperança por um futuro
de paz e justiça. […] Porém, todas as apropriações cristãs que a
religião da justiça social faz são distorcidas por causa daquilo que
lhe falta: Deus, Jesus e o Espírito. É uma Santa Igreja de Cristo
sem Cristo” (A Igreja de Cristo sem Cristo).
Uma paixão religiosa
Impressiona a intransigência ideológica dos “cristãos
progressistas”, em sua ferrenha defesa das pautas esquerdistas.
O livro sagrado destes poderia ser O Capital, mas o O capital no
século XXI pode servir; não faltam “profetas”; acham que o ser
humano surgiu bom e foi corrompido pela sociedade; pecado seria
toda suposta agressão contra as minorias e os pobres; a salvação
seria por meio da crença cega na ideologia; se veem como parte
da Igreja Vermelha, a única correta e verdadeira; e esperam um
milênio glorioso, desfrutado pelas minorias e pelos pobres – ao
menos os que forem leais à Ideia.
Parecem não ter Deus. Mas têm o Estado. Ou o Partido.
Como escreveu Theodore Dalrymple: “Há um tom evangélico nas
declarações [… dos adeptos da política de esquerda], uma
triagem do trigo do joio, das ovelhas das cabras, das salvas dos
condenados. Eles não querem apenas mudanças formais, como,
por exemplo, uma mudança perfeitamente razoável na lei após o
que podem ser anos de discriminação injusta. Eles exigem uma
reforma do coração humano e pretendem realizá-lo. Também não
desejam tolerância, pois tolerar implica aversão ou mesmo
desaprovação, uma vez que ninguém simplesmente tolera o que
gosta ou aprova. Assim, não basta que as pessoas vivam e
deixem viver; eles devem expressar sua aprovação do que antes
lhes era desagradável. As consequências totalitárias disso são, ou
deveriam ser, evidentes.”
Em suma, os “cristãos progressistas” defendem com fervor uma
paródia macabra da fé cristã, tornando tal revisão da fé
subserviente ao programa político da esquerda.
Uma reinterpretação da missão cristã
Para os “cristãos progressistas” que são membros de igrejas
cristãs, “tudo é missão”. E, para esses, a missão principal do
cristão é o serviço aos pobres ou a defesa das causas das
minorias. Então, passam a julgar todos os demais cristãos com
base nas pautas esquerdistas. E estes “cristãos progressistas”, no
geral, desprezam as igrejas tradicionais. Geralmente, priorizam
agências paraeclesiásticas ou ONGs apartadas das igrejas tradicionais.
Como Leithart escreveu: “Os devotos da religião da justiça social
exibem uma paixão admirável por consertar o mundo, bem como
um zelo implacável por abnegação e disciplina. Essa paixão e
zelo são equivocados. Mas o fato de que essa fé cativa a
imaginação de tantos jovens é uma acusação a uma igreja […]
letárgica, que promete pouco e exige menos”.
Mas foram justamente as igrejas tradicionais no Brasil, presentes
do Oiapoque ao Chuí e do asfalto às favelas, que fundaram em
nosso país hospitais, escolas, universidades, orfanatos, asilos,
institutos para portadores de necessidades especiais, etc. A
“Cristolândia”, projeto de uma denominação batista, é exemplo de
um programa de prevenção, recuperação e assistência a
dependentes químicos, que busca a transformação destas vidas
por meio do evangelho de Jesus Cristo.
E o que os “cristãos progressistas” fundaram no país?
Assim, os “cristãos progressistas” tendem por subverter a Igreja
como a comunidade da Palavra e do Sacramento,
transformando-a numa mera associação social e humanitária a
serviço dos partidos ou do Estado esquerdista. Mas quando isso
ocorre, pastores progressistas, metidos a intelectuais, ricos e bem
vestidos, não mais cuidam dos membros da igreja – somente os
usam.
Ao fim, parece que estes “cristãos progressistas” são somente
agitprop de partidos de esquerda e extrema-esquerda.
E como Stephen Neill afirmou, “se tudo é missão, nada é missão”.
Por isso, é necessário afirmar que a missão suprema da igreja é
proclamar que todo ser humano é pecador e está destinado à
morte eterna; e que crer no evangelho da graça de Deus em
Cristo Jesus – que, de acordo com a Escritura morreu e
ressuscitou por pecadores – é o que nos assegura o perdão e a
vida eterna.
Um jogo de sombras
Também é curioso notar que vários desses “cristãos
progressistas” se identificam como “pastores”. Mas – sobretudo
aqueles que se identificam com as igrejas cristãs históricas
especialmente de tradição independente – é difícil descobrir
quando ou quem os ordenou ao ministério pastoral.
Seria interessante saber se os pastores que se identificam com o
progressismo e que foram ordenados em denominações históricas
ainda mantêm as crenças defendidas em sua ordenação
ministerial. Ou se, depois de ordenados, volveram ao liberalismo
teológico, trocando o evangelho do Senhor Jesus Cristo por uma
mixórdia gnóstica.
Assim, se aproveitando da falta de uma confessionalidade clara
por parte de muitas igrejas cristãs históricas, substituída por
afirmações ingênuas do tipo “nenhum credo, só a Bíblia”, alguns
desses “cristãos progressistas”, que romperam com as afirmações
doutrinais que são consensuais aos cristãos, malandramente
também tentaram se esconder por trás de linguagem ambígua,
em seu esforço de infiltração nas igrejas – assim, muitas vezes
serão os discípulos “milicrentes” desses que levarão o discurso
dos “pastores progressistas” às últimas consequências.
Diferente de alguns destes “progressistas”, que se criaram em
grupos paraeclesiásticos, eu fui enviado pela igreja batista onde
cresci para estudar teologia formalmente, num seminário
teológico. E eu ainda lembro de professores de Antigo
Testamento, teologia do Antigo Testamento, filosofia da religião,
metodologia teológica etc., despejando sua incredulidade sobre
mim e meus colegas.
Ainda lembro de um destes professores, esquerdista teimoso sem
temor a Deus, proferindo blasfêmia grosseira sobre Jesus Cristo
em sala de aula. Ao mesmo tempo que eram propagandistas da
teologia liberal ou da teologia da libertação, eram devotos
esquerdistas – e isso no começo da década de 1990. Na verdade,
alguns dos professores com quem estudei no seminário eram
agnósticos ou ateus ou transformaram suas igrejas em ONGs.
Pois, parafraseando Bento XVI, pode-se afirmar que os “cristãos
progressistas” procuraram “criar, já desde as suas premissas, uma
nova universalidade em virtude da qual as separações clássicas
da Igreja devem perder a sua importância. […] [São uma] nova
interpretação global do cristianismo […] [que] revira radicalmente
as verdades da fé […] e as opções morais” (Eu vos explico a
teologia da libertação).
Assim, toda noção de cristianismo foi subvertida pelos “cristãos
progressistas”, subordinados que estão a uma Ideia. Se isso é
assim, estes não podem ser reconhecidos como cristãos, pois
colocaram a fé na Ideia, não na Revelação. São mais próximos do
gnosticismo que do cristianismo. Portanto, devem ser
caracterizados como “cavalos de Tróia” dentro da igreja cristã.
Discernimento e renovação da fé cristã
E a igreja cristã no Brasil precisa entender que o mesmo
adversário que parasitou e predou a igreja na América do Norte e
na Europa está presente em nosso país, e age com todas as
forças para seduzir alguns em nosso meio.
Faríamos bem em considerar o alerta de A. W. Tozer: “É inútil
grandes grupos de crentes gastarem horas e mais horas
implorando que Deus mande um avivamento. Se não
pretendemos nos reformar, também não devemos orar”.
Que os cristãos se tornem passionalmente engajados no anúncio
do evangelho do Senhor Jesus Cristo, que morreu e ressuscitou
para perdoar pecadores, inseri-los numa santa comunidade e lhes
assegurar a vida eterna com Deus.
E que os cristãos retornem ao “o manancial de águas vivas”
(Jeremias 2.13), às Escrituras Sagradas, a única Palavra de Deus.
E, sendo que “a única reforma verdadeira é a que emana da
Palavra de Deus (J. H. Merle D’Aubigné), roguemos que o Deus
todo-poderoso, que é Pai, Filho e Espírito, renove e reforme a
igreja cristã nesse país.
*Franklin Ferreira é diretor do Seminário Martin Bucer,
Presidente do Coalizão pelo Evangelho – TGC e secretário do
Conselho Deliberativo do IBDR.
Fonte: gazetadopovo.com.br